terça-feira, 20 de outubro de 2015

Fosfoetanolamina sintética: Cura, ilusão ou promessa?

Esse provavelmente será meu texto final sobre a polêmica da fosfoetanolamina sintética. Não sou médico, não sou químico, não sou farmacêutico. Mas com um pouquinho de conhecimento dá para ver que muita coisa não está clara sobre essa substância. Bastou alguns minutos de Google para sair com mais dúvidas do que entrei no assunto.

FATOS:

A substância era fabricada no Lab. De Química do Campos de São Carlos da USP. Um químico, hoje professor aposentado, Dr. Gilberto Orivaldo Chierice ( https://uspdigital.usp.br/tycho/CurriculoLattesMostrar?codpub=E7A0B2BCE4AE ) sintetizou essa substância que tem presença anormal em células neoplásicas. Ele imaginou que poderia ser um marcador que auxiliaria o sistema imunológico a identificar e destruir essas células.

O primeiro ponto estranho é que o Sr. Chierice afirma ter sintetizado a “fosfo” nos anos 80. Porém, estudos publicados sobre essa substância no combate ao câncer aparecem em seu currículo por volta de 2005, aonde ele figura como um dos autores dos estudos (vide CV acima)

Boa parte dos estudos sobre as ações terapêuticas da “fosfo” tem como um dos autores do Médico Renato Meneguelo (  http://lattes.cnpq.br/9925551979058002   ). Esse mesmo médico, que foi orientado do Dr. Chierice no Mestrado, aparece em vídeos do Youtube se declarando “de luto” pela proibição da substância que ele já ministra a pacientes do interior de SP.

www.youtube.com/watch?v=2QxcD0KNUUQ

Ainda sobre os fatos, existe um pesquisador que figura como primeiro autor de todos os estudos recentes da “fosfo”  também assinados pelo Dr. Chierice. Seu nome é Adilson Kleber Ferreira ( http://www.bv.fapesp.br/pt/pesquisador/71014/adilson-kleber-ferreira/ ), Farmacêutico e Bioquímico, com pós doutorado na Holanda. Nos seus estudos “in vitro” (colônia de células) e “in vivo” (ratinhos), ele deixa claro no seu último estudo (melanoma) que a droga é promissora e tem capacidade de reduzir formações tumorais de alguns tipos de câncer:

        “Taken together, our findings provide evidence that Pho-s is a compound that potently inhibits lung metastasis, suggesting that it is a promising novel candidate drug for future developments.


        http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0057937



LACUNAS:

O professor Chierice afirma em algumas entrevistas que não poderia conduzir pesquisas mais avançadas porque não “era médico”. Mas ele era o orientador do Dr. Renato Meneguele (vide CV), que aparentemente abandonou o Doutorado em 2007 cujo assunto era: “Mecanismos de apoptose em câncer de mama induzidos pela fosfoetanolamina sintética”. Ou seja, apesar de não ser médico, ele tinha como orientado um médico com bolsa, decidido a continuar estudando a “fosfo”. Pelo Lattes, fica claro o estudo não avançou.

      “EPTV - Não houve um tipo de tumor em que a eficácia foi maior?
      Não é possível fazer essa medida porque, primeiro, nós não somos médicos. Teria que ter uma parceria com o médico para ele mostrar a eficácia de cada um. Isso nunca foi feito. “


       http://forum.antinovaordemmundial.com/Topico-brasileiro-afirma-que-subst%C3%A2ncia-desenvolvida-na-usp-cura-o-c%C3%A2ncer

O Dr. Meneguele afirma no youtube que "é o médico que faz testes clínicos com a "fosfo". Porém,  não publica NADA CLÍNICO sobre o assunto!

O Dr. Meneguelo, além de supostamente não conduzir sua tese de doutorado, decidiu ministrar a substância em pacientes. Sem nenhum critério, sem nenhum estudo preliminar, sem nenhuma autorização dos órgãos reguladores.

Ou seja: Um Dr. em química, um médico com mestrado “doutorando”, um PHD em Farmácia e Bioquímica, todos com acesso à USP, melhor faculdade do país não tiverem condição de continuar a pesquisa?

Mas o Dr. Chierice teve condições de fabricar 50.000 comprimidos/ano? Com que verba?  Com autorização de quem? Por que ele afirma que não teve nenhum médico que o apoiasse? Por que Dr. Meneguelo decidiu ignorar todas as regras da bioética e passar direto para os testes (não autorizados) em humanos? Por que mesmo assim os testes não seguiram o mínimo de controle científico, com duplo cego, grupo de controle, etc? Por que não publicou NADA?!



CERTEZAS

A “fosfo” é uma substância com potencial para combater o câncer conforme estudos “in vitro“ e “in vivo”;

 Estudos “in vivo” mais específicos, em cachorros e macacos não aparecem em nenhuma busca. Porém, quem sabe, poderiam já estar sendo desenvolvidos no Instituto Royal, um dos poucos no país que tem capacidade para tal. Infelizmente, o Instituto teve suas pesquisas destruídas e roubadas por vândalos que se diziam “protetores dos animais”;

É necessário que outros pesquisadores estudem a “fosfo” para comprovar (ou não) os dados já levantados pelos doutores que a sintetizaram e estudaram;

 A fosfo, hoje, não é segura, não possui nenhuma indicação, não se conhece os efeitos colaterais, não se conhece a dosagem ideal para cada tipo de tumor nem para cada paciente (idade, peso, etc);

Solicitar o #liberaAnvisa é como querer voar em um avião sem homologação. Se pessoas começarem a morrer, quem vai ser responsabilizado? A Anvisa? A USP? O Professor aposentado? A torcida do Facebook que pediu para liberar?

Não se sabe se a “fosfo” tem realmente efeitos clínicos. De tempos em tempos, a internet é invadida por substâncias quase milagrosas que supostamente não são estudadas por “falta de interesse da poderosa indústria farmacêutica”.

Algumas, como a Vitamina C tem "estudos que comprovariam a eficácia" No caso da "fosfo", os pesquisadores tinham a faca e o queijo nas mãos. Mas decidiram seguir um caminho nada ortodoxo.

   http://www.cancerhc.com.br/2011/12/avelos-cura-e-cancer.html

   http://www.saudecompleta.com/index.php/publicacoes-cientificas/publicacoes-cientificas/oncologia/vitamina-c-cura-cancer.html

   https://nutricaobrasil.wordpress.com/2012/12/08/a-vitamina-d-pode-ser-a-cura-do-cancer/

   http://www.curapelanatureza.com.br/2008/03/receita-de-babosa-contra-o-cncer.html

    http://www.curapelanatureza.com.br/2008/09/o-alho-benfico-tambm-contra-o-cncer.html

   http://www.emedix.com.br/not/not2004/04jul15onc-mcp-tpf-talidomida.php



CONCLUSÃO.

Infelizmente, o “câncer” é um conjunto de mais de 800 tipos de doenças que tem acometido a humanidade

 É quase impossível que uma única substância seja capaz de curar todos os tipos de câncer, nos seus mais variados estados de evolução.

 A “fosfo” é uma substância que nas pesquisas preliminares mostraram bons resultados. Mais estudos deverão ser realizados.

 Uma sindicância pela USP e CRM deveriam ser instaurados para entender por que dois cientistas decidiram burlar todas as regras de ética e do método científico expondo a população a um risco grave.

Por fim, até mesmo o PHD Adilson Kleber Ferreira, aquele que aparece como primeiro autor nos estudos do Dr. Chierice dá seu veredito:

         "“O professor Gilberto é uma pessoa maravilhosa. Está pensando nos pacientes. Mas são necessários mais estudos”, diz o farmacêutico Adilson Kleber Ferreira. Ele pesquisou a ação anticâncer da fosfo no Butantan, com animais. “Existem milhares de outras substâncias em teste, com resultados tão bons ou melhores.”"

     http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/10/fosfoetanolamina-sintetica-oferta-de-um-milagre-contra-o-cancer.html

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Apagão da Verdade

Os que me conhecem pessoalmente, ou mesmo pelo Face ou Twitter, sabem que venho acompanhando e alertando sobre os riscos ao nosso sistema elétrico no Brasil.

No ano de 2014, quando passei a acompanhar o volume dos reservatórios (Sabesp e ONS), já alertava quanto a necessidade de um racionamento de água em SP e de, no mínimo, uma campanha nacional de redução do consumo de energia elétrica.

Claro que em ano de eleição, nenhum dos candidatos à reeleição sequer cogitou a ideia. Pior para a população.

A despeito da situação da água em SP estar crítica (ou mesmo desesperadora), venho dar meu palpite especificamente no sistema elétrico por ser minha área de formação e especialização. Vamos lá.

No dia 19/01, o que se dizia impossível aconteceu: 11 estados sofreram um apagão parcial de energia. Podemos ver abaixo a explicação oficial do ONS em seu site:

Nota à Imprensa (19/01/2015)
No dia 19 de janeiro, a partir das 14h55, mesmo com folga de geração no Sistema Interligado Nacional (SIN), restrições na transferência de energia das Regiões Norte e Nordeste para o Sudeste, aliadas à elevação da demanda no horário de pico, provocaram a redução na frequência elétrica. Na sequência, ocorreu a perda de unidades geradoras nas usinas Angra I, Volta Grande, Amador Aguiar II, Sá Carvalho, Guilman Amorim, Canoas II, Viana e Linhares (Sudeste); Cana Brava e São Salvador  (Centro-Oeste); Governador Ney Braga (Sul); totalizando 2.200 MW. Com  isso, a frequência elétrica caiu a valores da ordem de 59 Hz, quando o normal é 60 Hz. Visando  restabelecer a frequência elétrica às suas condições normais, o ONS adotou medidas operativas  em conjunto com os agentes distribuidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, impactando menos de 5% da carga do Sistema. A partir das 15h45, a situação foi totalmente normalizada. Amanhã, dia 20 de janeiro de 2015, às 14h30, no Rio de Janeiro, o ONS se reunirá com os agentes envolvidos para analisar a ocorrência.
Assessoria de Planejamento e Comunicação do ONS
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O ONS e o Ministro de Minas e Energia correram para botar a culpa em um desligamento "anormal" de algumas usinas como causa do problema. Ambos ainda deixam claro que "há energia de sobra no Brasil". A verdade é que o problema real é a falta de capacidade de geração de energia, mesmo que temporária, de atender a demanda de pico no país.

Segue abaixo, com base nas informações oficiais e dados não oficiais, uma hipótese sobre os acontecimentos do dia 19/01:

Primeiro, vamos entender o que é a frequência. No sistema elétrico, diferente de uma pilha ou bateria, o polo positivo e negativo se alternam, em ciclos de 60 vezes por segundo - 60Hz. A frequência é controlada pela velocidade em que os geradores giram. Os geradores devem girar à uma certa velocidade para manter a frequência correta. Pela Aneel, para manter a qualidade de energia, a frequência do sistema deverá ficar entre 59,9Hz e 60,1Hz. 

O interessante é que, assim como uma composição de locomotivas, todas as máquinas geradoras conectadas estão sempre na mesma velocidade. Não dá para uma andar mais rápida que a outra! Todos rodam à mesma velocidade*!

Isso torna possível tecer uma análise dos fatos. Quando o ONS informa que um apagão se dá por um curto-circuito, um raio, uma atuação indevida de proteção em alguma parte do sistema fica praticamente impossível os consumidores descobrirem o que ocorreu de fato. Mas como agora o problema foi uma redução da frequência, qualquer subestação de consumidor com uma oscilografia – que grava os parâmetros elétricos - consegue ter uma boa visão dos acontecimentos

Dito isto, vamos seguir:

Na semana passada, anterior ao desligamento, o sistema, no que diz respeito à frequência, se comportou de maneira totalmente regular:



Fonte: Particular

Podemos observar que a frequência não ficou abaixo de 59,90Hz nem acima de 60,10Hz, conforme normas.

Porém, na segunda feira, o calor excessivo fez com que houvesse recordes de demanda no sistema SE/CO e Nordeste, conforme diz o relatório oficial do ONS:


Fonte: ONS


O que isso impacta no sistema e na frequência? Simples! Quanto mais carga, mais potência o sistema exige. É como um carro em uma rodovia. Você vem em uma reta mantendo a velocidade constante, pressionando o acelerador de forma constante. No momento que em chega uma ladeira, para manter a mesma velocidade, você precisa apertar mais o acelerador.

No caso das usinas, ou aumenta a quantidade de combustível para as térmicas ou quantidade de água para hidrelétricas.

É aí que a explicação oficial começa a divergir. Para a frequência cair, é necessário que se tenha perdido geração (algum problema em usina ou linhas de transmissão) ou não tenha capacidade de gerar o que é solicitado.

A explicação do ONS e Ministro de Minas e Energia é que algumas usinas se desligaram automaticamente causando a redução da frequência:

… a partir das 14h55, mesmo com folga de geração no Sistema Interligado Nacional (SIN)...
... ocorreu a perda de unidades geradoras nas usinas Angra I, Volta Grande, Amador Aguiar II...


Ora, o que podemos ver abaixo é que desde as 13:00 o sistema começou a apresentar uma redução de frequência. Tentou-se corrigir quando a frequência chegou à 59Hz (provavelmente adicionando mais geração por volta das 13:30), mas não foi suficiente para evitar a queda contínua da frequência


 Fonte: Particular


Exatamente às 15:00 horas, conforme informado pelas concessionárias, o ONS deu a ordem para que fossem cortadas cargas. Ou reduz-se a carga ou o sistema inteiro entra em colapso. Assim, o sistema pode iniciar a recuperação, mesmo com outro princípio de afundamento por volta das 16:45.
Abaixo, podemos ver mais detalhadamente o período mais crítico. Segundo informado, algumas usinas se desligaram e este fato pode ser real, uma vez que por volta de 14:45 a redução na frequência se intensificou. A diferença é que, ao contrário do que disse o Ministro Braga, não foi por falha. Os geradores são projetados para trabalhar a 60Hz. Mesmo pequenas diferenças na velocidade das máquias são arriscadas, podem causar danos à mesmas. Por isso, quando a frequência cai, é normal a proteção desligar o gerador. Cada máquina tem sua característica e a proteção é ajustada levando isso em conta. Por isso Angra I pode ter se desligado e Angra II, por exemplo, não.


Fonte: Particular

Na prática, o que foi feito foi desconectar alguns vagões da composição antes que tudo parasse.

Por fim, tanto o ONS quanto o Ministro afirmaram que existe energia de sobra (no norte e nordeste). Só não havia, por motivos mal explicados, como transportá-la para o sudeste e centro oeste.

Mais uma vez os fatos desmentem as entrevistas. Com base no relatório oficial, o Norte está sim exportando energia (assim como o sul), mas o nordeste não! O nordeste está recebendo energia, assim como o sistema SE/CO

Fonte: ONS


A pá de cal na explicação oficial vem mais uma vez do ONS. O limite de intercâmbio entre N/NE para o sistema SE/CO é de pelo menos 3.900MW. Algo muito sério deveria ocorrer para não utilizar os outros 2.000MW que o sistema SE/CO tanto precisava para manter todas as cargas ligadas, já que no dia, a transferência era de apenas 1.735MW.


Fonte: ONS



Muito mais provável a incapacidade dos sistemas Norte e Sul de aumentar a geração para atender a geração deficiente do SE/CO e NE!


O que podemos ver com os dados do próprio ONS e alguns dados de consumidores de grande porte, é que o sistema elétrico brasileiro não foi capaz, no dia 19/01, de atender a demanda de pico. Com os reservatórios extremamente baixos (máquinas paradas e máquinas sem poder operar em sua capacidade máxima devido à “falta de força” das águas), aliado a uma dependência forte do sistema hidrelétrico, estamos caminhando para o mais sério colapso do sistema elétrico brasileiro,

Resumindo: Não, não temos excedente de energia. Não, não havia capacidade de geração no Nordeste (ele recebia parte de energia do Norte). Não, os eventos não se iniciaram às 14:48 com desligamentos de usinas e sim às 13:00 com redução da frequência causada por carga maior que a geração. Não, o sistema norte-sul tem capacidade de transferir 3.900MW e no momento crítico (15:00) estava transferindo somente 1735MW. Havia, salvo evento sério no sistema, capacidade de transferir mais potência do Norte para o SE (se houvesse capacidade de geração – que não havia).

É hora de decretar um racionamento, doa a quem doer. A hora de pedir à população que economize energia ficou em 2014. Ou racionamos ou corremos o risco de ficarmos seriamente prejudicados em 2015. São Paulo está com  falta d'água e pagando o preço caro da incompetência. Não podemos deixar o sistema elétrico “nas mão de Deus” como reza o Ministro Braga. Energia não tem volume morto!

* Os RPM das máquinas variam com o número de polos, mas a frequência é a mesma.